domingo, 22 de outubro de 2017

A SEMENTE DE MOSTARDA



Krisha Gotami teve um filho e este morreu. Transida de dor, ia com o filho morto de casa em casa, pedindo um remédio, e as pessoas diziam:
-Está doida: a criança está morta."
Finalmente, Krisha Gotami encontrou um camponês que respondeu sua súplica dizendo:
-Não posso dar um remédio para a criança, porém sei de um médico capaz de o dar.
E Krisha Gotami respondeu:
-Suplico-te que me digas quem é.
-Vai ver o Buda.
Krisha Gotami foi ver o Iluminado e exclamou, chorando:

-Senhor meu e mestre. Meu filho estava brincando entre as flores e tropeçou numa serpente que se enroscou no seu braço. Ficou logo pálido e silencioso. Não posso aceitar que ele deixe de brincar ou que deixe o meu colo. Senhor meu mestre, dá-me um remédio que cure o meu filho.
O Iluminado respondeu:
-Sim irmãzinha, há uma coisa que pode curar teu filho e a ti, se puderes consegui-la, porque os que consultam os médicos tomam o que lhes é receitado.
Procura uma simples semente de mostarda preta, porém só deves receber de uma casa onde nunca tenha entrado a morte, onde não tenha ainda morrido pai, mãe, filho nem filha, nem irmão, nem irmã, nem escravo nem parente.

Aflita, Krisha Gotami foi de casa em casa pedindo o grão de mostarda. As pessoas se compadeciam dela e lhe davam, porém, quando ela pergunta se já tinha morrido alguém naquela casa, lhe respondiam:
-Ah! Poucos são os vivos e muitos os mortos. Não despertes nossa dor.
Agradecida, ela lhes devolvia a mostarda e dirigia-se a outros que lhes diziam:
-Aqui está a semente, porém já morreu nosso escravo.
-Aqui está a semente, porém o semeador morreu entre a estação chuvosa e a colheita.
E não encontrou nenhuma casa onde não tivesse morrido alguém.
Krisha Gotami voltou chorosa para o Iluminado dizendo-lhe:
-Ah! Senhor, não pude encontrar mostarda em casa onde não tivesse havido morte. Então, entre as flores silvestres, na margem do rio, deixei meu filho que não queria mamar nem sorrir, e volto para ver teu rosto e beijar teus pés suplicando-te que me digas onde encontrar essa semente, sem deparar ao mesmo tempo com a morte, pois, apesar de tudo não posso crer na morte de meu filho, como todos me disseram e temo tenha acontecido.
O mestre respondeu-lhe:
-Minha irmã, procurando o que não podes encontrar, achaste o amargo bálsamo que eu queria dar-te. Sobre teu seio, o ser que amas dormiu hoje o sono da morte. Agora já sabes que todo mundo chora uma dor semelhante à tua. O sofrimento que aflige todos os corações pesa menos do que se concentrado num só. Escuta! Derramaria eu meu sangue se, derramá-lo pudesse deter tuas lágrimas e descobrir o segredo de o amor causar angústia e através de prados floridos conduzir-vos ao sacrifício, qual mudos animais conduzidos por seus donos. Nenhum nascido pode evitar a morte. Assim como os frutos maduros caem da árvore, assim os mortais estão expostos à morte desde que nascem. A vida corporal do homem acaba partindo-se como a vasilha de barro do oleiro. Jovens e adultos, néscios e sábios, todos estão sujeitos à morte. Porém, o sábio que conhece a Lei não se perturba, porque nem pelo pranto nem pelo desânimo obtém a paz, mas pelo contrário, isso tudo aviva as dores e os sofrimentos do corpo. A morte não faz caso de lamentações. Morre o homem, e seu destino está determinado por suas ações. Embora viva dez ou cem anos, acaba o homem por separar-se de seus parentes ao sair deste mundo. Quem deseja a paz da alma, deve arrancar de sua ferida a flecha do desgosto, da queixa, da lamentação. Feliz será aquele que consegue vencer a dor. Sepulta tu mesma o teu filho.
Extenuada pela dor, Krisha Gotami sentou-se à beira do caminho, pôs-se a meditar no silêncio do entardecer e disse consigo: "Quão egoísta sou eu em minha dor! A morte é o destino comum de tudo quando vive. Porém, neste vale desolado há um caminho que conduz à imortalidade - aquele que elimina de si todo egoísmo.
E sufocando o amor egoísta que sofria por seu filho, enterrou-o no bosque. E foi logo refugiar-se no Iluminado, e encontrou consolo que alivia o coração dilacerado pela dor.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

QUANDO A “ZOEIRA” VIRA BULLYNG

Quem nunca foi zoado ou zoou alguém na escola ou na vida? 
Apelidos humilhantes, risadinhas, fofocas, enfim... Todo mundo já testemunhou, participou ou foi vítima de “brincadeiras” desse tipo. Parece tão comum. Tão normal. Só que não!
Poderíamos definir “brincadeira” como uma situação onde todos se divertem.
Quando uns se divertem e outros sofrem, principalmente por ser o “motivo" da diversão, o que existe na verdade é agressão. Situações onde existe a maldade e o desejo de diminuir o outro não tem nada de inocente.
Bullying é uma palavra de origem inglesa (bully: tirano ou valentão) usada para descrever atos de violência física ou psicológica praticados repetidamente por uma pessoa ou grupo de indivíduos contra outra, causando tensão, dor e angústia.
A adolescência é um momento de construção de identidade, onde fazer parte do grupo, da tribo, tem uma grande importância na construção da autoimagem do jovem.
Ao mesmo tempo vivemos em uma sociedade que parece não lidar muito bem com as diferenças e a educação para a intolerância com o diferente parece ser construída e adubada em casa mesmo.
Crianças e adolescentes que vivenciam os exemplos da intolerância (por etnia, crença religiosa, aparência física, orientação sexual, classe social, etc.) dentro de casa, mesmo que de forma subjetiva, serão mais propensos no grupo a reagirem de forma negativa, ofendendo, humilhando e isolando aqueles que apresentem características “diferentes”.
Em tempos de redes sociais e grupinhos no What’s App, a coisa tem piorado muito. O cyberbullying é uma realidade que não dá para ignorar, multiplicando a dor e a humilhação das vítimas.
A vítima de bullying muitas vezes se cala (e muitos expectadores também), sofrendo em silêncio. Falta entendimento e também canais de acolhimento para as vítimas e também para os agressores. Discutir o tema em casa e na escola é um caminho. Orientar as crianças e adolescentes sobre a diferença entre uma gozação e o bullying também.
Sabemos que em grupo todo mundo é corajoso é que, muitas vezes, o agressor (ou agressores) tem fortes sentimentos de impotência e inadequação, o que faz com que agredir o outro seja uma forma de lidar com a sua própria baixa estima.
Fazer o agressor se confrontar com seus reais motivos é necessário e, para tanto, o aconselhamento psicológico para ele/eles e familiares é essencial, principalmente porque adolescentes que praticam bullying têm fortes propensões a desenvolverem comportamentos antissociais e/ou violentos quando adultos.
Agora, a melhor prática antibullying é investir em uma educação que contemple a diversidade e os valores humanos. E quando falo em educação não estou falando tão somente no papel da escola (que é transmitir conhecimento), mas principalmente na educação familiar que, infelizmente, tem sido “terceirizada”. 
Independente da classe social, o que se vê hoje em dia são pais declinando de seus papeis de educadores em favor da escola, dando a elas uma função que na realidade elas não têm: educar seus próprios filhos.


Irene Carmo Pimenta é Psicoterapeuta, Analista Junguiana, Pesquisadora e Palestrante na área de psicologia e  espiritualidade. Para saber mais sobre o seu trabalho visite o site: www.oficinadeconsciencia.com.br

terça-feira, 15 de abril de 2014

ALÉM DA ILUSÃO


A ILUSÃO é a filha dileta do APEGO.
Nos apegamos a coisas, pessoas e principalmente nos apegamos “as verdades do ego”.
Desconectados da essência da alma ficamos tal qual crianças teimosas querendo que coisas e fatos tornem-se aquilo que queremos que se tornem, ignorando a realidade que se apresenta diante dos nossos olhos.

Há um conto do sufismo muito interessante que pode ilustrar um pouco essa nossa “teimosia”.

 “Mulla Nasrudin (um mestre sufi) foi ao mercado com seus discípulos e comprou uma cesta de pimentas, e começou a comê-las uma a uma, sofregamente.
Seu rosto foi ficando vermelho, seu nariz começou a escorrer, seus olhos lacrimejavam...
Nasrudin começou a engasgar e a perder o ar. Incrédulos os discípulos gritaram:
-  Senhor! Porque não para de comer essas pimentas?
Nasrudin respondeu: Quem sabe eu não encontro uma doce?”
Assim somos nós. A nossa alma arde, sangra, chora!
Mas, o ego diz: “Continua... quem sabe?”
Quem sabe tem algo doce no fim dessa história amarga.
Eu lembro que há muitos anos atrás eu ouvi de um desses mestres anônimos que cruzam nosso caminho: GOIABEIRA DÁ GOIABA.
Buscamos a fruta dos nossos desejos na árvore errada, e apesar da frustração continuamos a buscar a fruta dos nossos desejos na árvore errada.
Continuamos a mastigar pimentas ou chupar limões pensando que talvez se tornem doces.
Enxergar a realidade além dos véus da ilusão auto impostos pelo nosso ego infantil é dar um passo importantíssimo em direção à maturidade emocional.
Vai doer? Provavelmente sim. Mas, como bem disse Jung:
“Não é possível tornar-se consciente sem passar por sofrimentos”.


Irene Carmo Pimenta


NOTA:
Mulla Nasrudin (Khawajah Nasr Al-Din) viveu no século XIV. Contou e escreveu histórias onde ele próprio era personagem. São histórias que atravessaram fronteiras desde sua época, enraizando-se em várias culturas. Elas compõem um imenso conjunto que integra a chamada Tradição Sufi, ou Sufismo, seita religiosa de antiga tradição persa e que se espalha pelo mundo até hoje.

LIBERTE-SE


sexta-feira, 4 de abril de 2014

O SUAVE CAMINHO DE ALOHA

Para os nativos do Hawaii ALOHA não é uma simples saudação de chegada ou despedida. Aloha é uma filosofia espiritual.
O Espirito de Aloha é o suave caminho do AMOR COMPARTILHADO e a alegria de viver esse caminho.
 Ao trilharmos o caminho de Aloha, nos sintonizamos com o Poder Divino que os nativos chamam de Mana, pois o caminho de Aloha é feito de compartilhamento e bênçãos.
Para estar em Aloha precisamos praticar Ho’o ka’ana (dividir equitativamente com todos). Esse é um principio comum a todas as tribos nativas de todo o planeta.
Contudo, falar de “compartilhamento” em uma sociedade ocidental que se baseia em somar, subtrair e multiplicar bens pode parecer quase impossível. A ideia de divisão estará sempre vinculada ao apego as nossas posses e a padrões de comportamento adquiridos nessa mesma sociedade. Precisamos reconhecer a nossa possessividade e nossos apegos para compreender o verdadeiro sentido de Ho’o ka’ana.
A partir dessa compreensão saberemos compartilhar em  Aloha e vamos perceber que o sentimento de separação e isolamento que sentimos é uma ilusão.
O Caminho de Aloha nos traz a certeza que somos parte de um TODO. Os antigos Kahunas do Hawaii chamam esse todo de Teia Aka – A Grande Teia da Vida.
Em Espirito de Aloha  vamos descobrir a verdadeira dimensão da Teia Aka na qual estamos inseridos. E compreender que não a percebíamos por tê-la dividido em partes.

MEDITAÇÃO ALOHA
Vamos nessa prática exercitar cada virtude expressada na palavra ALOHA:
A - AKAHAI: (Bondade) Respire e ao expirar diga mentalmente: Eu deixo fluir bondade em meus pensamentos e ações. EU SOU AMOR.
L - LOKAHI: (Unidade) Respire e ao expirar diga mentalmente: Eu sou Um com o Todo e expresso essa unidade com Harmonia. EU SOU HARMONIA
O – OLUÓLU ( Aceitação ) Respire e ao expirar diga mentalmente: Eu compreendo e aceito a diversidade dentro da Teia da Vida  com alegria e prazer. EU SOU ALEGRIA
H – HA'AHA'A (Humildade) Respire e ao expirar diga mentalmente: Eu expresso a humildade com modéstia. Eu expresso a PUREZA do meu espirito.
A – AHONUI (Paciência) Respire e ao expirar diga mentalmente: Eu expresso minha paciência com perseverança. EU SOU PAZ

ALOHA MAHALO

Irene Carmo Pimenta

sábado, 8 de março de 2014

RAPUNZEL


Os contos de fadas sempre me fascinaram. Minha mãe foi uma boa contadora de histórias e isso de certa forma contribuiu para que eu me tornasse uma leitora voraz desde a mais tenra idade.
O conto “Rapunzel” sempre despertou meu interesse... Tanto que o poema que eu posto na sequência foi escrito na minha adolescência. Relendo-o percebo algo que transcende as palavras escritas a lápis em uma página amarelada pelo tempo, provavelmente extraída de algum caderno escolar.
Através dele, eu entro em contato com a adolescente que  fui (e que ainda mora nos porões da minha psique). Percebo agora, que ali naquele momento e fazia um pacto comigo mesma.
O Conto “Rapunzel” abriu para mim,  sem que eu tivesse consciência, portais para universo dos arquétipos*. Talvez naquele momento eu tenha me conectado com a “alma” de toda a minha ancestralidade feminina.
Anos depois, tornei-me uma “cuidadora de almas”, psicoterapeuta e analista junguiana e criei o Projeto “Era uma vez... Histórias pra gente acordar”. São oficinas baseadas em contos de fadas, que funcionam como ferramentas de auto reconhecimento.
Utilizei muitos contos nas oficinas, mas não Rapunzel. Talvez até porque eu ainda estivesse trilhando o caminho dela. Com um “animus”** perambulando cego pelas florestas do inconsciente.
Mas algo mudou. Enquanto eu preparava o lançamento do Blog, o desejo de compartilhar Rapunzel bateu forte e junto com ele a inspiração para transforma-la na próxima oficina do projeto.
Compartilho então com os leitores e leitoras o poema Rapunzel. Um pacto que uma adolescente fez com a vida: ser responsável por si mesma.

RAPUNZEL
Oh! Rapunzel sem tranças
Presa na torre de vidro
Da solidão coletiva.
Não veio príncipe nem nada...?
Sequer uma bruxa malvada,
Pra lhe fazer companhia?
Então Rapunzel-menina,
Inventa outra escada!
Foge da torre que a vida,
Não vai lhe esperar parada.
Monta seu próprio cavalo.
Seja sua própria heroína!

Irene Carmo Pimenta

Notas:
Arquétipo: Do grego: “cunhagem original”. Imagens primordiais que se originam de uma constante repetição de uma mesma experiência durante muitas gerações. São formas sem conteúdo próprio que servem para organizar e canalizar material psicológico.
Pra explicar um arquétipo tendemos a usar expressões como: “é como se...”

Animus: A personificação da natureza masculina do inconsciente da mulher.

Para mais informações sobre o "Projeto Era uma vez..." e as datas das próximas oficinas entre em contato através do e-mail contato@oficinadeconsciencia.com.br ou através do site www.oficinadeconsciencia.com.br